Apenas um vazio desesperador: nem sinal daquele azul hipnotizante que coloria todas as coisas. Um vazio que te arrebata para um oceano cinzento de águas frias e calmas - tão perpétuo como aquilo que fere sem realmente tocar, como um corte que teima em arder sem ao menos estar aberto, como algo que bate à porta e evapora antes que alguém se aproxime. Nem sombra do sentimento que costumava sustentar teu passo, abrir teu sorriso ou arrancar-te lágrimas. Imerso ali, quem pode dizer que vive? Você não pode abrir a boca... e mesmo que pudesse, não há palavra que clame por atenção em sua mente. Até que as nuvens se movem. O nublado de tantos dias é diluído em elétricos raios de sol, que atravessam corpos e almas e te recheiam com uma doce alegria. Felicidade pura, não experimentada há sabe-se lá quanto tempo. Seu coração parece querer correr, talvez atrás dessa sensação que outrora já viu esvair-se. A excitação transborda dos olhos num brilho quase infantil. A delícia de lembranças mantém viva a incerteza, a ansiedade e o medo do minuto seguinte, enquanto o presente se estende além do que sua consciência pode calcular – como aquele gélido oceano que há pouco tentava afogar-te sem ao menos mover-se. É infinito assim cada minuto, mas agora as ondas estão ali e por mais violentas que sejam você vê apenas a vida e a intensidade que gere seus movimentos. Quanto mais altas e assustadoras, maior a vontade de se lançar sobre elas. Nada disso é real - sentimentos não podem sê-lo de fato -, mas o ilusório está mesmo por baixo de tudo o que se vê, por trás de nós; é mais forte que qualquer coisa que mãos humanas podem construir. Não é nada insano, não mais que o devaneio do que ousamos tocar. Com os olhos fechados, você pode ouvir o som das ondas que te empurram para a agitação daquilo que ainda não foi experimentado, para o delírio da página que tanto se anseia por virar. Você já não sente a solidão estrangular seus sentidos, o mundo parece girar com mais leveza... e tudo o que você faz é sorrir.